Brasil tem 410 mil acidentes de trabalho por ano, que matam 3
mil brasileiros e custam R$ 32 bilhões ao país
Eles matam oito trabalhadores brasileiros por dia e esta conta
pode ser muito maior, já que não inclui os 40 milhões de
brasileiros da economia informal. Números macabros retratam o
descuido de boa parte do empresariado com as normas de segurança
e com seus funcionários
Brasília - Os números são macabros mas, infelizmente, retratam o
descuido de boa parte do empresariado com as normas de segurança
e com seus funcionários. O Brasil teve no ano passado 410 mil
acidentes de trabalho, responsáveis pela morte de 3 mil
trabalhadores - oito óbitos por dia - e que deixaram 102 mil
brasileiros permanentemente inválidos. Milhares de trabalhadores
adquiriram em suas funções doenças com as quais terão de
conviver pelo resto de seus dias. Os dados são do Ministério da
Previdência e Assistência Social e são relativos ao ano de 2002
As estatísticas do Ministério só consideram os trabalhadores da
economia formal, ficam de fora aproximadamente 40 milhões de
pessoas. Esta conta, entretanto, certamente é muito maior do que
apontam os registros do Ministério da Previdência Social. As
estatísticas do Ministério só consideram os trabalhadores da
economia formal, que têm carteira assinada e pagam o INSS. A
Previdência trata, portanto, apenas do universo dos 23 milhões
de brasileiros que, até em agosto de 2003, podiam ostentar sua
carteira de trabalho assinada. Por esta conta, ficam de fora
aproximadamente 40 milhões de pessoas que não contribuem para a
previdência, os chamados trabalhadores da economia informal,
segundo dados do Ministério do Trabalho.
O sociólogo José Pastore, que realiza estudos nesta área há mais
de 40 anos, avalia que este quadro, além de desumano, acaba
redundando em um custo altíssimo para o país. Segundo ele, o
custo dos acidentes de trabalho para as empresas é de cerca de
R$ 12,5 bilhões anuais e para os contribuintes, de R$ 20 bilhões
anuais . Portanto, o custo total é de cerca de R$ 32 bilhões
para o país.
De acordo com o Ministério da Saúde (MS), cerca de 200
patologias estão relacionadas ao trabalho. Dessas, merecem
destaque as Lesões por Esforço Repetitivo (LER), também
denominadas Distúrbios Osteomoleculares Relacionados ao Trabalho
(DORT), segunda causa de afastamento do trabalho no Brasil,
segundo dados do INSS.
A cada 100 trabalhadores na região Sudeste, por exemplo, um é
portador de LER, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS).
A doença atinge profissionais na faixa etária de maior
produtividade, entre 30 e 40 anos de idade e ataca
principalmente bancários, metalúrgicos e operadores de
telemarketing.
Bancários e profissionais de saúde são os que mais se afastam
por causa de doenças mentais. Dessas, 55% são doenças
depressivas. As doenças relacionadas ao estresse e à fadiga
física e mental também são apontadas por especialistas como as
que mais afetam os trabalhadores, apesar da subnotificação dos
casos. É o que aponta uma pesquisa realizada em 2002 pelo
Laboratório de Saúde do Trabalhador da Universidade de Brasília
(UnB) a partir de dados fornecidos pelo Instituto Nacional de
Seguridade Social (INSS).
O estudo mostrou que bancários e profissionais de saúde são os
que mais se afastam por causa de doenças mentais. Dessas, 55%
são doenças depressivas. "Na verdade, muitas outras profissões
devem possuir um quadro relevante de afastamento por doenças
mentais, mas as duas apontadas na pesquisa têm o diferencial de
serem classes profissionais organizadas, que conseguem com mais
facilidade relacionar determinadas doenças com o trabalho",
afirma a pesquisadora Anadergh Barbosa. Além disso, "a doença
mental gera um estigma que não é interessante para nenhum
trabalhador. Muitas doenças que são de origem mental estão
caracterizadas como doenças orgânicas", conclui.
Alguns fatores de risco que predispõe à doença mental, apontados
na pesquisa, são lidar com a vida e a morte (situação vivida
pelos profissionais de saúde), lidar com o público, com
dinheiro, pressão temporal, pressão da informatização,
atividades monótonas, a sobrecarga de trabalho e a diminuição
dos salários.
Nos grandes centros urbanos, a violência e a criminalidade
também podem ser apontadas como responsáveis por doenças
traumáticas e de sofrimento mental, ocorrendo principalmente em
bancários, policiais, vigilantes e trabalhadores rurais que
lutam pela posse de terra.
No campo, agrotóxico é o vilão
Os agrotóxicos estão em sétimo lugar em número de acidentes com
substâncias químicas e em primeiro no número de mortes
Na área rural, as doenças do trabalho têm outro perfil. O
agrotóxico passa a ser o principal vilão, já que os
trabalhadores do campo no Brasil são os que estão mais sujeitos
à exposição aos seus efeitos nocivos. Segundo estimativas da OMS,
anualmente cerca de três milhões de pessoas são contaminadas por
essas substâncias e 70% dos casos ocorrem em países em
desenvolvimento. Os agrotóxicos estão em sétimo lugar em número
de acidentes com substâncias químicas e em primeiro no número de
mortes.
No Brasil, a atenção do governo à saúde do trabalhador se dá por
meio dos 60 Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CRST),
espalhados por todo o país, responsáveis pelo tratamento dos
cinco problemas que têm maior gravidade e prevalência: as Lesões
por Esforço Repetitivo (LER) e Doenças Osteomusculares
Relacionadas ao Trabalho (DORT); as pneumoconioses (doenças
provocadas por inspiração de grãos de areia); doenças produzidas
pelos agrotóxicos; pelos metais pesados e solventes orgânicos e
acidentes graves e fatais de trabalho.
O modelo brasileiro foi inspirado nas primeiras experiências de
criação de centros de referência para a saúde do trabalhador.
Elas surgiram no final dos anos 80, nos municípios de Campinas,
Salvador e São Paulo. Até abril de 2004 deverão estar
organizados 130 desses centros, nos quais terão sido investidos
R$ 43,5 milhões.
Empresários não querem investir em prevenção
A prevenção aos acidentes do trabalho é a ferramenta mais
importante para evitar a incapacitação de milhares de
trabalhadores. Para os especialistas, a prevenção aos acidentes
do trabalho é a ferramenta mais importante para evitar a
incapacitação de milhares de trabalhadores, apesar de muitas
empresas não entenderem a prática como um investimento rentável.
Enquanto este quadro não mudar será difícil conseguir reduzir o
número de acidentes de trabalho.
Algumas mudanças na rotina de trabalho, entretanto, também podem
minimizar os efeitos nocivos que a própria rotina de algumas
profissões ocasiona. Já é comum em muitas empresas a prática da
ginástica laboral, que previne contra a LER. Algumas oferecem
também academias, cinema no horário do almoço e palestras sobre
qualidade de vida, que comprovadamente melhoram a produtividade
do trabalhador.
Na opinião do médico Gutemberg Fialho, especialista em medicina
do trabalho, as empresas não consideram rentável investir na
segurança do trabalho porque após o 15º dia de afastamento quem
garante o salário do acidentado é a Previdência Social. Ele
propõe uma mudança que revolucionaria o setor: mudar a
legislação e obrigar os empregadores a pagarem todos os custos
de acidentes de trabalho causados, por exemplo, por negligência
da empresa. "A partir do momento em que o empresário sentir no
bolso os custos dos acidentes, ele vai se preocupar em investir
em prevenção e saúde ocupacional", afirma. É uma idéia para ser
debatida por empregados, empregadores e governo. |